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MEDICAMENTO ETICO PRA QUE SERVE?


Medicamento ético é aquele medicamento prescrito por médicos que, legalmente, não pode ser anunciado na mídia de massa, ficando a propaganda restrita apenas às publicações especializadas e, ainda assim, direcionada aos médicos através de propagandistas de laboratórios farmacêuticos. 

Mesmo assim, é comum encontrarmos reportagens e matérias nas principais revistas semanais do país, destacando medicamentos de tarjas vermelha e preta, portanto controlados, como novos produtos no mercado. Como se remédio fosse mercadoria comum. Neste momento, vale uma reflexão. Até que ponto essas matérias estariam esclarecendo a população de uma nova descoberta da ciência para a cura de uma doença, ou simplesmente não estariam divulgando medicamentos controlados na mídia de massa a pedido da própria indústria farmacêutica, como uma estratégia de marketing? 

A indústria farmacêutica mundial é considerada como o segundo melhor negócio do planeta, ficando atrás apenas de companhias de petróleo. Segundo a revista inglesa Focus,o setor faturou em 2002, 406 bilhões de dólares (Revista SuperInteressante, fev. 2003, p 44).

Há um grande investimento por parte da indústria em pesquisas, mas também em marketing. Exemplo disso é O Viagra, do laboratório Pfizer rendendo apenas em 2001, 1,3 bilhão de dólares. Na Pfizer, embora 90% do pessoal que conduz o desenvolvimento da pesquisa seja composto de cientistas, a equipe é chefiada por profissionais de marketing. Preocupada com propaganda, a Pfizer utiliza personalidades quando se trata do Viagra, nos Estados Unidos, o conhecido político republicano Bob Dole foi o garoto-propaganda, enquanto no Brasil quem exerceu esse papel foi Pelé. O marketing faz parte da filosofia da empresa Pfizer (Revista Exame, 24 de fev., 1999, p 71).

Quanto à divulgação dos medicamentos, os medicamentos de venda livre podem anunciar na mídia de massa, o que não ocorre com os medicamentos controlados (de tarjas vermelha e preta) que não podem anunciar na mídia de massa, segundo Lei de Vigilância Sanitária nº 6360, de setembro de 1976, atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996.

Segundo a Resolução RDC nº 102/2000 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária, republicada em 1 de junho de 2001, os anúncios publicitários devem conter a "contra indicação" em língua portuguesa, de forma clara e precisa. Podendo ser feito de maneira igual ao do registro na ANVISA. Fica proibida a veiculação de propaganda, publicidade e promoção de medicamentos éticos, de venda sob prescrição (controlados), exceto quando acessíveis exclusivamente a profissionais habilitados a prescrever ou dispensar medicamentos; na veiculação de propaganda e publicidade de medicamentos de venda sem exigência de prescrição devem constar da mensagem publicitária a identidade do fornecedor e seu endereço geográfico. 

Mas de que adianta banir esses termos da mídia e permitir testemunhais com artistas famosos afirmando que tomam esse ou aquele medicamento e que estão curados, ou até médicos em propagandas de televisão receitando medicamentos? É contraditório. Enquanto a área de saúde aguarda a área da propaganda regulamentar a profissão, a propaganda de medicamentos continua abusiva e prejudicial ao consumidor. Um atraso de mais de 20 anos no controle desse tipo de propaganda, em relação a outros países.

Repetindo, medicamento não pode ser visto como produto comum, pois envolve a saúde de milhões de pessoas. Se é proibido, segundo a Resolução RDC nº 102/2000, sugerir que a saúde de uma pessoa pode ser prejudicada se não usar tal produto, como confiar em médicos que prescrevem apenas determinado medicamento ou pior, ter que presenciar na mídia de massa depoimentos como o de Pelé, que sugere que ele não precisa usar Viagra, mas se precisasse o faria para solucionar um problema de disfunção erétil? 

O Brasil está entre os 5 maiores consumidores de medicamentos no mundo, pudera, são mais de 32 mil rótulos de medicamentos, com 12 mil substâncias, quando na verdade bastariam 300 itens. Há uma drogaria para cada 3 mil habitantes, mais que o dobro recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Um verdadeiro negócio! Vende-se mais remédio do que pão! Medicamentos de vendas livre, também conhecidos como OTC e mesmo os éticos, que deveriam ser vendidos apenas sob prescrição dos médicos, são vendidos por telefone ou internet (Revista SuperInteressante, fev. 2003, p44). O próprio Viagra ou mesmo o Xenical podem ser comprados através de sites como:www.viagrabrasil.kit.net. As famosas farmácias "virtuais" vendem medicamentos controlados para o mundo todo, sem que haja uma fiscalização nesse sentido.

E como se não bastasse a falta de fiscalização ou controle, o Brasil é considerado culturalmente, como a população que adora se automedicar, ou seja, toma desde o chá da vovó até analgésicos e antiinflamatórios disponíveis em farmácias e drogarias, além de ser considerado um dos maiores consumidores de ansiolíticos, onde 75% das mulheres são responsáveis por uso indiscriminado de tranqüilizantes. O número exagerado de lançamentos feitos ano a ano amplia as prateleiras e ao tratarem medicamentos como produto qualquer (às vezes prometendo efeitos irreais), a propaganda conseguiu aumentar as vendas em 21% em apenas um ano (Revista SuperInteressante, fev. 2003, p 46). Como conseqüência desse "descontrole" ou de uma falha na fiscalização tanto da venda, quanto da propaganda, vem a automedicação. Automedicação tem relação direta com o uso indiscriminado de medicamentos, inclusive os que deveriam ser vendidos apenas sob prescrição médica, gerando um alto índice de dependência e de intoxicações. 
Informação ou Propaganda? 

Considerados "pop stars" da indústria farmacêutica, Prozac, Xenical e Viagra são "rotulados" como: "Drogas de Comportamento", por serem destinados primordialmente a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Esses medicamentos atraem milhares de pessoas no mundo, geram verdadeiras minas de ouro aos laboratórios e estão presentes, de alguma forma, na mídia de massa.

Quando se fala em depressão, assunto presente quase que semanalmente nas revistas, além de envolver relatos emocionantes, sensacionalistas, mas também muito sérios, o nome do medicamento em evidência é o Prozac, surgido em 1987. Mais conhecido como "a pílula da felicidade", o antidepressivo Prozac, só em 1999, chegou a vender 2,6 bilhões de dólares no mundo, representando 26% do laboratório Eli Lilly (Revista Veja, 19 de abr. de 2000, p 85). Em 2001, foram vendidos no Brasil, 16 milhões de caixas do Prozac, com um crescimento de 34% em relação a 1995 (Revista Claudia, março, 2002). 

A Revista Época de 5 de maio de 2003, publicou como matéria de capa "Depressão. O desafio da depressão. Como combater a depressão". Ao se referir ao assunto nas páginas internas, insere depoimentos, compara pacientes sadios, deprimidos e sob uso de medicação, em seguida apresenta um quadro com a evolução dos antidepressivos, cujos nomes aparecem claramente, desde Prozac, Ixel até Efexor. A Revista Saúde, de julho de 2002, também segue a regra e apresenta a evolução dos antidepressivos nas páginas internas: Tryptanol, Zoloft, Prozac, sendo que na matéria de capa a manchete é a seguinte: "Depressão, dá pra sair desse poço". Veja Mulher, de agosto de 2002, "edição especial" aborda a saúde da mulher de A a Z, e na letra Z, o nome Zoloft aparece como o grande companheiro da mulher na luta contra a depressão, "o Zoloft é a última palavra em medicamento". Informação ou Propaganda? 

Também considerado um "pop star", o Xenical é utilizado tanto por homens, como por mulheres. Desde janeiro de 1999, quando passou a ser comercializado no Brasil, o Xenical, do laboratório Roche virou a sensação para quem procura emagrecer. Só no mês de lançamento chegou a render mais de 44 milhões de dólares. Uma das justificativas para tamanha procura foram os números do IBGE: 40% da população brasileira estão acima do peso, e 32% são obesas. Mas, apesar de eficiente, o medicamento nem sempre responde às expectativas. Mesmo assim, lá estava na manchete de 21 de outubro de 1998 "Comer sem engordar", contendo nas páginas internas a promessa da pílula que faria verdadeiros milagres com os gordinhos. "Dietas da Moda" foi a manchete de 13 de janeiro de 1999 da Revista Istoé, contendo no conteúdo das páginas internas dietas da moda que emagrecem rápido, mostrando claramente que vale fazer tudo para emagrecer, inclusive tomar Xenical. A Revista Veja, em sua edição 1639, de 8 de março de 2000, utilizou como manchete "A Ciência da Mulher" e com foto de várias personalidades, destacou as mudanças nos tratamentos da saúde e da estética feminina, onde aparece o item remédios para emagrecer citando Xenical. O envolvimento da capa com a matéria, a presença de personalidades femininas e o nome do medicamento sugerem um tom persuasivo, não apenas informativo.

Mas dos três medicamentos "pop stars" sem dúvida o que mais chama a atenção para essa análise é o Viagra, não apenas pela dimensão que teve na mídia, mas por ser sinônimo de "pílula do prazer", de estrela, de salvador, de milagroso, e porquê não, título de assuntos diversos e até motivo de piadinhas. 

O Viagra certamente revolucionou o mercado, muito mais até pelo marketing do seu fabricante, a Pfizer. Lançado em 1998, então sem concorrência, reinou absoluto, chegando a ser consumido em um ritmo de 4 comprimidos por segundo (Revista Veja, 19 de abr. de 2000, p84). Por ter uma venda controlada, pois só pode ser vendido sob prescrição médica, o Viagra passou a ser contrabandeado, tamanha procura pelo comprimido azul. Não foi à toa que fez parte da mídia, como notícia (talvez) mas com manchetes no mínimo apelativas "A pílula milagrosa", de 1 de abril de 1998, na Revista Veja. Ou na matéria de capa de 24 de maio de 2000, com a manchete "Sexo depois dos 40 - vaidade, vida mais saudável e a medicina ajudam homens e mulheres na cama". Essa matéria mostra homens e mulheres praticando esportes, namorando e finaliza com o seguinte quadro: arsenal da meia-idade, onde existe uma lista de medicamentos para disfunção erétil, inclusive o Viagra, encabeçando a lista. Ainda na Revista Veja, a manchete "Super-remédios", com sentido de super-homem, salvador, tem em suas páginas internas uma pesquisa interessante sobre a evolução dos mais diferentes medicamentos, inclusive valorizando a pesquisa feita por cientistas durantes muitos anos. Ao lado, existe um quadro destacando alguns medicamentos, denominado-os como "estrelas", O Viagra aparece como a melhor pílula para disfunção erétil, por ser a primeira pílula contra impotência, aonde seu grau de satisfação chega a 80%. O uso da palavra "melhor" não parece indicado para quem deseja apenas informar e não divulgar, persuadir, fazer propaganda. Certo?

Se até então, havia uma intenção implícita ou mesmo não passava de uma sugestão das capas para chamarem atenção dos leitores para o conteúdo da notícia. 

Pois bem, a matéria de capa da revista que será analisada a seguir não tem a menor sutileza e se quer a preocupação ética ao se referir a um medicamento, e ainda mais sendo medicamento controlado (portanto não podendo ser divulgado dessa forma na mídia de massa). Trata-se da edição de nº 67 da Revista Época, de 6 de setembro de 1999. Sua capa tem uma foto da sensual dos lábios de uma mulher e a manchete "O Efeito Viagra - casais se divertem com o aditivo do prazer; a impotência sexual deixa de assustar; o Brasil é o segundo consumidor do mundo". Assim inicia a matéria e nas páginas internas, fotos do comprimido azul, depoimentos de satisfação com o uso do medicamento, inclusive as "mil e uma novas utilidades" que o Viagra oferece. No conteúdo da matéria, passagens como: "Viagra serve para aplacar a ansiedade de quem sofre de ejaculação precoce...garotões melhoram a performance...mulheres se juntaram à legião de adeptos...italianos tem sorvete azul que contém o medicamento...em Paris, a substância do medicamento serve como tempero de alguns pratos". E por aí vai. A matéria ainda menciona que 72 milhões de pílulas foram vendidas no primeiro ano. E que é impossível mensurar os consumidores que pedem para os parentes trazerem dos Estados Unidos, onde se compra sem muitas exigências. Informação ou Marketing? Sensacionalismo na capa para vender mais revistas? Irresponsabilidade no incentivo à prática da automedicação?

Somente em julho de 2003, O Conar publicou uma nota referente à punição de propagandas institucionais que fazem referência a medicamentos ou tratamentos para disfunção erétil. Esse tipo de mensagem publicitária está proibido em todo o território nacional.A medida, divulgada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) referiu-se às empresas:Eli Lilly do Brasil, Bayer S/A e Pfizer.O diretor da Anvisa, Cláudio Maierovitch, afirmou que a medida pretende evitar o estímulo do consumo de tais medicamentos. "A análise do desempenho de vendas de tais produtos demonstra um crescimento surpreendente, principalmente o mais antigo deles, o Viagra", disse. Para ele, o volume crescente de vendas é um forte indício de que tem havido um estímulo para o uso inadequado do produto (www.conar.org.br). 
Cabe fazermos a seguinte reflexão: vale tudo para vender mais revistas, até mesmo comprometendo a saúde da população? Notícia ou matéria paga? Informação ou mais uma estratégia de marketing da indústria farmacêutica para vender mais e mais? Por que as leis não são cumpridas, falta boa vontade, fiscalização ou uma política efetiva nesse sentido? 

São inúmeros fatores que fazem parte desse contexto, mas sem dúvida a falta de informação faz com que a população brasileira seja vítima da situação. A indústria farmacêutica, que investi milhões em pesquisas buscando a cura das pessoas, é a mesma que não mede esforços ao recorrer a todo tipo de marketing e propaganda para esvaziar as prateleiras das farmácias. 

Como se não bastasse o poder da indústria farmacêutica em altos investimentos de marketing, ela encontra como parceira a mídia de massa, que legitima, ao distorcer algumas informações, tornando-as sensacionalistas e divulga muitas vezes sem responsabilidade medicamentos a leigos, que não deveriam receber determinada informação sem orientação de um profissional da saúde. 

O lucro a qualquer preço gera índices alarmantes de automedicação no Brasil e conseqüentemente, mortes por intoxicações. 
O país está doente, não apenas pela pobreza, miséria, mas pela falta de fiscalização e muitas vezes, da boa vontade em se mudar o cenário existente no país.